Toque de silencio

Ela já havia percebido que os pássaros não mais cantavam como antes, seus chilreados pareciam um tanto desafinados, uma canção não terminada.
Notou que o barulho da chuva, ao qual prestava muita atenção, na tentativa em decifrar sons diferentes, também já não era o mesmo.
Não conseguia mais falar ao vento, pois se ele vinha batendo suas janelas e buscando seus cabelos parecia estar com uma indiferença muito grande e então deixou de o esperar para com ele estabelecer diálogos. A voz dele voz vinda de longe lhe também soava mais fria e estranha. Aos poucos, a natureza ao seu redor calou mais e mais. Nesse silêncio havia um mudo recado: estava perdendo a audição. Um de seus ouvidos cantava em "tinitus", crônico zumbido que incomodava. Durante anos abusou de sons altos e sem proteção, paga então no presente esse castigo e terá que se afastar de barulhos fortes para minimizar o problema. Viu-se tolhida e triste por não poder mais seguir livremente seu caminho. Talvez para muitas pessoas esse problema não seja tão grave, mas em seu caso foi algo ameaçador, sua pretensa carreira artística em jogo. Sem boa sintonia não haverá boa sinfonia.
A canção poderá pausar para sempre, a partitura ficar vazia e o coração quase sem toques. A música sempre foi sua vida.
Pobre menina, não sabe o que fazer, mas continua a envolver-se em todos s acordes possíveis, quer gravar em sua mente cada um para que depois os toque, mesmo desafinados.


17/06/15