Em algum lugar do passado

Há na ruazinha de terra, longa e arborizada, com jeito de sítio ainda, algumas casinhas simples de uma época em que os imigrantes italianos faziam-nas com as janelas e portas sem recuos. Era um tempo de paz, segurança e todos se conheciam. Podiam dormir de portas abertas, sem trancar nada. Sempre a hospitalidade unia vizinhos e amigos em rodas, sob a luz da lua, nas conversas e"causos" sem fim. Eram horas onde matavam a saudade de onde vieram, trocavam ideias e informações úteis a todos, sobre trabalho e a vida em geral. A tal ruazinha existe resiste mesmo com o avanço e crescimento da cidade. Passar agora pelo local dá imensa saudade, mesmo a quem ali não viveu. Ficou impregnado no ar o cheiro de café coado na hora, feito com os grãos da plantação caseira, torrado e moído artesanalmente, de bolos saindo quentinhos dos fornos a lenha junto com pães. Estão ali ainda os murmúrios das vozes que cantavam enquanto trabalhavam, outros sons de risos ou choros, emoções que parecem marcadas naquelas paredes caiadas em branco, já desgastadas, mas firmes ainda. A imaginação deixa ver que pelas janelinhas azuis há pessoas alegres espiando a paisagem, esperando alguém que voltará. A brisa que sopra é a mesma que ali passava refrescando os ambientes, trazendo o gostoso cheiro do verde que rodeava o local. Em dias chuvosos fazia-se um pouco de lama e as crianças brincavam na enxurrada sem receio de doenças, pois tudo parecia tão limpo! Visitar um lugar assim é reviver pelos outros, perceber fatos sem nunca tê-los vivido, mas para isso há que se ter a sensibilidade aguçada, ter conhecido alguém que ali viveu.Vendo fotos antigas pode-se aprender e saber que a vida parecia sem conforto, mas era muito boa, valorizada em cada instante dela. Assim foi sempre  ao homem que há pouco tempo partiu desta terra.Vejo uma foto antiga de uma pessoa da família que ali morou certo época e entregou a alma ao Criador, foi viver e fazer arte no céu. Um tio querido, uma pessoa do bem, já velhinho e não mais morador da tal ruazinha há muitos anos, onde nunca mais retornou. Penso agora se a alma dele vaga pelo local da infância onde viveu. Será que gostaria de ter visto este cantinho antes da partida? Filosofias e sentimentalismos à parte, rezo para que ele descanse em paz, cuide do imenso jardim que deve haver no paraíso onde certamente foi morar.